17/04/2011

Reforma política, a mãe de todas as embromações

Reforma política, a mãe de todas as embromações

Após a eleição de Dilma, a imprensa se debruçou sobre o gabinete de
transição. A curiosidade era grande para saber quais eram os projetos
do novo governo. Foram mais de dois meses de assédio em vão. Ninguém
conseguia descobrir nada. Às vésperas da posse, surgiram rumores de
que a equipe de Dilma estava trabalhando num projeto de reforma
política. Informação preocupante. Como se sabe, o assunto reforma
política é uma velha senha para a falta de assunto. Mas o que estava
por vir era ainda pior do que isso.

O novo governo começou e, confirmando todas as expectativas do período
de transição, não tinha projeto nenhum. Foram 100 dias de partilha de
cargos, debates sobre salário mínimo, cortes de gastos imaginários,
comemorações do Dia da Mulher e aumento das despesas com cartões
corporativos, que ninguém é de ferro. Aí veio a notícia da aprovação
de 73% para a "presidenta" - um formidável reconhecimento por tudo o
que ela não fez: não abraçou Ahmadinejad, não tirou foto com Fidel,
não piscou o olho para o companheiro Khadafi, não fez metáforas
futebolísticas.

À sombra desse governo sossegado, com sua simpática cara de feriado,
tinha de surgir ela, a mãe de todas as embromações: a reforma
política.

Sua última grande aparição tinha acontecido após o escândalo do
mensalão. No que Lula declarou que caixa dois era uma coisa normal no
Brasil, entraram em cena os pensadores providenciais. Sua tese era
enxergar o governo petista como vítima de um sistema que o induzia à
corrupção. E a reforma política resolveria tudo, até dinheiro na
cueca. Com ela, talvez Marcos Valério se transformasse num Dalai-Lama
(lama no bom sentido). Como sempre, a discussão não deu em nada. Mas
foi muito útil, especialmente para a turma do valerioduto.

A nova aparição da reforma política, em plena tarde dominical do
governo Dilma, promete aumentar a dose da monotonia geral. Mas desta
vez há novidades. A primeira é que o projeto nasce no Senado,
apadrinhado por José Sarney, o imortal. E aí deve-se reconhecer um
grande projeto de Dilma: reeleger Sarney presidente do Senado, mesmo
depois de flagrado fazendo tráfico de influência - projeto concluído
com pleno êxito. Tinha de vir pela lavra fecunda do senador imortal o
novo grito de moralização da classe política. E essa versão do projeto
veio caprichada.

Dentre os pontos já aprovados pela Comissão de Reforma Política está o
financiamento público de campanhas. É um princípio genial: o
contribuinte vai dar mais dinheiro aos partidos, para que eles não
tenham de recorrer a doações privadas e o poder econômico não decida
as eleições. É realmente muito mais civilizado passar o dinheiro
privado todo para o caixa dois. Ou pelo menos mais discreto - e mais
lucrativo.

O novo projeto de reforma política propõe as piores medidas. Será
gostoso vê-la não dar em nada

Outra maravilha já aprovada na Comissão é o voto em lista fechada.
Você não votará mais no deputado de sua preferência. Votará no
deputado da preferência do José Dirceu, do Roberto Jefferson ou de
seus sucessores na chefia dos partidos. Chega de intermediários.

O novo projeto de reforma política institui também o "cotão" para
mulheres. Metade dos candidatos a deputados e vereadores terá de ser
do sexo feminino. Essa forma natural e espontânea de afirmação
feminista produzirá grandes avanços, notadamente na fabricação de
candidatas laranjas, como as que fizeram história no partido do Enéas.

Também já foi aprovado pela Comissão do Senado o fim da reeleição. De
fato, isto é urgente. Era muito mais emocionante no tempo em que os
governantes, quando suas políticas começavam a dar resultado, tinham
de dar lugar a outro - que jogava tudo fora e reinventava todas as
rodas, agora com a sua assinatura.

Com tanta coisa por consertar no Brasil, realmente só faz sentido
discutir reforma política desse jeito: propondo as piores medidas.
Pelo menos será gostoso vê-la não dar em nada.

GUILHERME FIUZA

REVISTA ÉPOCA
é jornalista. Publicou os livros Meu nome não é Johnny, que deu origem
ao filme, 3.000 dias no bunker e Amazônia, 20º andar.
Escreve quinzenalmente em ÉPOCA gfiuza@edglobo.com.br

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Pamela Salazar Mora
twitter/pammmmm

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