| Movimento, que começou no aniversário de Alice, se estendeu e devolve áreas verdes à cidade Naiana Oscar - Jornal da Tarde - 01/11/09 Faltava um mês para Alice completar 4 anos, quando revelou à mãe o que queria ganhar de presente: "A pracinha". "Mas Alice está tudo sujo, o parquinho está detonado...", disse a mãe, tentando fazer a menina mudar de ideia. Alice respondeu como se estivesse tratando de uma boneca quebrada. "A gente conserta, mamãe." E estando no mundo há apenas 1.430 dias, a menina praticamente fundou um movimento. Mesmo sem se dar conta, mobilizou moradores da Lapa e de Pinheiros e foi corresponsável pela reforma de três praças no bairro onde vive com a mãe, o pai e o irmão, Antônio, de 2 anos. Alice é filha da administradora de empresas Cecília Lotufo, de 34, que se tornou militante das causas coletivas. Era ela a jovem da foto na capa dos jornais, um dia depois do protesto que pediu o impeachment do presidente Collor. Virou a musa dos caras-pintadas. Tem a personalidade forte, mas foi facilmente convencida por Alice de que a festa podia mesmo ser na pracinha. Em vez de presentes, os convidados ajudariam a reformá-la. Cecília foi à subprefeitura, tocou a campainha dos vizinhos, bateu à porta dos comerciantes e a Praça François Belanger, no caminho entre a casa e a escola de Alice, começou a mudar. O parquinho foi reformado; o espaço, limpo. E o aniversário, comunitário. Alice se vestiu de Sininho, aquela fada do Peter Pan, e recebeu entre os convidados gente que nem conhecia. O dilema que surgiu depois da festa, em setembro do ano passado, foi o embrião do Movimento Boa Praça: o que fazer para manter aquele lugar limpo e bonito, do jeito que estava? Pensaram num zelador. "Mas por que contratar um guardinha, se a praça é legal quando está cheia de gente?", disse Cecília. Os moradores que se conheceram no dia do aniversário passaram a se encontrar ali, sempre no último domingo do mês. Queriam, além de cuidar da praça, ocupá-la. A jornalista Carolina Tarrio, de 42 anos, foi convidada por uma amiga a participar do primeiro piquenique. Foi amor à primeira vista. Carolina já havia tentado recuperar a praça que fica em frente à sua casa e tinha ideias para ampliar aquela mobilização. "As pessoas não vão à praça porque a praça está degradada. Ou ela está degradada porque as pessoas não vão à praça?" Mais uma pergunta que deu gás ao movimento. Foi a jornalista quem deu a ele o nome Boa Praça, como referência a algo "bacana e amigável", justamente os adjetivos que eles queriam para aquela área. Os piqueniques passaram a ser temáticos, com apresentações, oficinas e brincadeiras. Mais de 200 pessoas chegam a participar do evento, que começa de manhã e vai até escurecer. Alice está em todos eles. No último, saiu às ruas do bairro com a mãe e duas amiguinhas para convidar os moradores com um alto-falante: "A pracinha precisa da sua ajudaaaaa! Venha para o piquenique com a gente!" O convite dessa menina de 5 anos é irresistível. Além da Françoise Belanger, outras duas praças foram incluídas no roteiro do evento comunitário. A meta do grupo é fazer com que aquele espaço público saia do piquenique melhor do que começou. A Praça Paulo Schiesari ganhou pintura nova, teve os bancos e os brinquedos reformados. A Amadeu Decome começou com um mutirão de limpeza. Mas não é só a praça que ganha. Quem se envolveu com o movimento e participou no último ano dos oito piqueniques também se sente melhor. "A gente se conecta, conhece pessoas, histórias de vida tão interessantes, que estavam tão perto e não sabíamos", diz Cecília. Hoje, Carolina dá "bom dia" a pelo menos 40 vizinhos com quem nunca tinha se relacionado antes. O engenheiro civil Alexandre Santos Silva, de 50 anos, fez amigos. Estava passeando com seu labrador de 42 quilos pela praça quando foi entrevistado pelos integrantes do movimento para uma pesquisa informal sobre quem eram os frequentadores do lugar e o que esperavam dele. "Agora, até de madrugada eu me pego pensando em iniciativas, coisas novas para agregar mais gente e tornar o piquenique ainda mais atrativo. Estamos descobrindo uma proximidade deliciosa." As histórias dessa rede de relacionamento são muitas. Outro dia, um homem de bicicleta parou só para ver o movimento. Achou que se tratava de um evento privado e não quis entrar. Mas logo alguém puxou conversa e em poucos minutos ele já estava diante de um bolo com velinhas comemorando seu aniversário no piquenique. Descobriu-se que ele era jardineiro. Saiu do evento contratado por uma escola da vizinhança, que estava procurando justamente um funcionário para cuidar do terreno. Ao ganhar força, o movimento começou a se expandir para além dos muros e cercas das praças. Passou a frequentar as escolas públicas e particulares do bairro, com a intenção de aproximar os alunos e - por que não? - levar as aulas para o meio da praça. Os estudantes fizeram desenhos, listas de como seria a praça dos sonhos. Pediram bancos, quadra de esporte e até mesa de estudo. O movimento tenta aos poucos tornar os pedidos reais. O piquenique de novembro será o último de 2009. Para o ano que vem, dez já estão programados. O primeiro deve ser na praça onde Alice comemorou seu aniversário. E onde os convidados viram pintada na parede a frase que virou o lema do movimento: "Seja você mesmo a mudança que quer ter no mundo." |
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Pamela Salazar Mora
twitter/pammmmm
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