A ganhadora do Nobel de Economia fala a Época e explica o que um grupo precisa para resolver seus problemas, mesmo sem ajuda do governo
Marcos Coronato
Se você se incomoda com o vandalismo na praça do seu bairro ou com sujeira na praia que gosta, saiba que existe um ramo da Economia inteiramente dedicado ao seu problema, e que essa área de estudo tem uma papisa: a cientista política Elinor Ostrom, primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Economia, na metade de outubro (leia a entrevista, mais abaixo). Elinor e seus colegas se dedicam a procurar as melhores formas de preservar os recursos comuns a um grupo, ou seja, aqueles que não pertencem a uma única pessoa ou instituição. Como mostram as praças degradadas e as praias sujas, patrimônios desse tipo - chamados em inglês de "commons" - podem sofrer desgaste e até destruição completa, justamente por não serem protegidos pelo interesse de um único dono. O que chamou a atenção da pesquisadora, desde os anos 70, era o fato de esses recursos não serem completamente exauridos, e haver até alguns bem preservados (a surpreendente limpeza do Metrô de São Paulo poderia ser um exemplo urbano equivalente). Elinor dedicou as últimas décadas a estudar as regras que contribuem para que um "common" seja bem preservado (sem que seja necessário privatizá-lo ou recorrer à ação de um governo). Em 1990, no livro Governing the commons, ela propôs um conjunto de oito princípios capazes de levar a formulação de boas regras, caso um grupo queira preservar o patrimônio comum. São eles:
1 - Definir limites claros sobre quem integra o grupo, quem recebe benefícios e arca com custos. A indefinição gera desconfiança dentro do grupo;
2 - Estabelecer custos e responsabilidades proporcionais aos benefícios de cada integrante do grupo. Se a divisão for considerada justa, há mais chances de que as decisões coletivas sejam respeitadas;
3 - Atribuir aos usuários do patrimônio o direito e a responsabilidade de decidir as regras, atendendo às especificidades locais. Assim, elas serão mais bem entendidas e aplicadas;
4 - Encontrar formas de monitorar o cumprimento das regras;
5 - Aplicar punições a quem desrespeita as regras - sempre proporcionais ao tipo de violação;
6 - Elaborar mecanismos de resolução de conflitos entre os integrantes do grupo;
7 - Tornar o grupo reconhecido pelas autoridades;
8 - Caso o recurso em questão seja muito vasto (uma bacia hidrográfica, por exemplo), o grupo de interessados pode se organizar em camadas e subgrupos.
O sucesso dos princípios de governança dos "commons" levou Elinor ao Nobel e deu mais evidência ao seu trabalho. Aos 76 anos, a pesquisadora mostrou disposição e atendeu a Época Online por telefone, logo cedo, para a seguinte conversa:
ÉPOCA – Na administração dos recursos comuns, a senhora defende uma abordagem bem sistemática, com a adoção de regras claras sobre responsabilidades, níveis de acesso, limites e punições ao desrespeito. É possível encontrarmos esse tipo de sistema em comunidades nativas?
Elinor Ostrom - Muitas comunidades nativas têm sistemas muito eficientes, mas nem todos funcionam bem atualmente. Parte desse problema decorre de as comunidades terem perdido poder em várias instâncias. Nós não podemos simplesmente delegar a responsabilidade à população local e esperar que aconteça o melhor.
Meu argumento central é o seguinte: para preservar riquezas comuns, soluções simples e uniformes são muito perigosas. Estudando as áreas que têm bons exemplos a mostrar, descobrimos que as instituições locais têm poder e puderam se adaptar ao longo do tempo, até encontrar a combinação de regras que melhor se encaixa com a preservação e o ecossistema local.
ÉPOCA – Quais pontos na definição de governança a senhora destacaria como mais importantes?
Elinor - Eu não poderia selecionar pontos mais ou menos importantes nos oito que propus em "Governing the commons". Eu insisto em que as pessoas combinem os oito pontos da melhor maneira para a situação. Elas podem definir o arranjo de regras, em nível local, nacional ou global, que seja capaz de lidar melhor com os problemas que elas querem solucionar.
ÉPOCA – O seu conceito de grupo serve somente para cidadãos ou também para organizações e empresas que usem uma mesma cesta de recursos?
Elinor - Claro que serve para organizações. Não sou contra o mercado, empresas ou governos, assim como não sou contra o poder local e o poder do cidadão. Tudo depende da complexidade e da escala dos problemas que as pessoas estão tentando resolver. A partir das características do problema, estuda-se a estrutura de governança necessária para enfrentá-lo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário