A partir de 1988, com a implementação da nova Constituição do Brasil, nosso País passou de fato a ser uma democracia. Desde então, não estivemos mais sujeitos a ditaduras, fechamentos das casa legislativas ou outros desmandos radicais. Tivemos nossos momentos tensos em 1992, quando o ex-presidente Fernando Collor de Melo sofreu impeachment, mas as estruturas básicas da nossa democracia nunca mais foram seriamente ameaçadas.
Essa estabilidade ficou ainda mais patente quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso venceu os surtos de inflação que o país vivia e criou uma nova moeda, o real. Nunca mais tivemos de nos preocupar com mudanças de preço de um dia para outro nem nos tornarmos "fiscais" da economia. Isso porque na política econômica há uma grande preocupação com estratégias de longo prazo e em deixar os debates o mais longe possível da esfera ideológica. É o que diz Luiz Felipe d' Ávila, um dos participantes do Festival de Política promovido pela Trip nesse domingo, dia 18, no Studio SP, em São Paulo.
Diretor-presidente da ONG Centro de Liderança Pública, cientista político que trabalhou como editorialista em jornais como Gazeta Mercantil e O Estado de S.Paulo, crê que o exemplo criado pela área econômica deve ser levado a todas as áreas da administração pública.
Qual é sua opinião a respeito do estado atual da política no Brasil?
Infelizmente, ainda estamos rodeados de escândalos e imoralidades, mas o Brasil caminha rumo a um amadurecimento do processo político. Existem grandes ações de melhoria de qualidade da política brasileira a nível municipal e estadual. Os municípios e os Estados estão fazendo um esforço hercúleo para respeitar as leis de responsabilidade fiscal, saber transformar as boas ações do governo em projetos de longo prazo. Há muita coisa boa sendo feita, mas não aparece na imprensa. O que sobra são os escândalos políticos. O papel fiscalizador da imprensa é muito importante, mas é preciso dar espaço para as boas ações. Isso cria um sistema de "desincentivo". Assim, você não incentiva pessoas jovens a se engajar em projetos políticos porque acham que a política se resume a um antro de corrupção e bandidagem.
"Não podemos achar que a democracia que está aí não precisa ser semeada, cultivada, regada e que ela é um direito natural que Deus nos deu."
O que precisa ser mudado com urgência?
O principal ponto é ter uma classe política mais engajada em um projeto de nação, que sempre passa por uma institucionalização de processos. Não podemos achar que a democracia que está aí não precisa ser semeada, cultivada, regada e que ela é um direito natural que Deus nos deu. Não é isso, é uma criação artificial que exige muito esforço e muita confiança em torno de princípios e instituições. Se aumenta a desconfiança em relação às leis e instituições, a democracia acaba sendo enfraquecida. O maior problema que vejo é o aumento da desconfiança, isso me preocupa muito.
Como essa classe de políticos pode ser criada?
Dar voz também a quem está fazendo um trabalho exemplar na administração pública brasileira. Muitos governadores e prefeitos estão trabalhando para isso. Segundo, precisamos urgentemente de uma reforma política. O sistema eleitoral brasileiro hoje não incentiva a participação e o engajamento das pessoas no processo político. A adoção do voto distrital me parece uma medida fundamental para que o parlamentar saiba que distrito e interesses ele representa. É fundamental uma legislação que limite o número de partidos no Congresso, criar a famosa barreira dos 3 ou 5% - quem não tiver uma dessas porcentagens mínimas dos votos nacionais não teriam direito a representação no parlamento. O número de partidos seria enxugado, seriam quatro ou cinco. Todo esse processo ajudaria a manter o amadurecimento e o debate de uma classe política mais representativa dos interesses nacionais.
Por que o Festival Trip de Política é importante na sua opinião?
Todo festival que tenta elevar o nível da discussão política no Brasil faz parte de uma reflexão sadia e importante que o Brasil precisa fazer. A política, ao meu ver, foi muito banalizada por escândalos, corrpução e mal-versação de verbas e isso faz com que nós fujamos de um debate mais profundo da política, do que nós esperamos da política, do que queremos dela e de como utilizá-la para melhorar e fortalecer as instituições do brasil.
"O papel fiscalizador da imprensa é muito importante, mas é preciso dar espaço para as boas ações."
Como deveria ser esse debate mais profundo?
A minha questão principal quando se discute política é a do fortalecimento das instituições porque acredito que um debate profundo, consistente, tende a mostrar caminhos para que nos possamos fortalecer as instituições. Por quê? Porque fortalecendo-as, nós tiramos um pouco do peso excessivo do personalismo político, do mando político, que são coisas que fazem com que as instituições sejam enfraquecidas por esse voluntarismo do poder. Quando pensamos nos escândalos políticos no Brasil, quase todos partem de ações voluntariosas. Toda vez em que isso acontece, fica demonstrado um certo grau de fragilidade das instituições. Dou um exemplo importante, que é o caso da política econômica: foi algo institucionalizado no governo de Fernando Henrique [Cardoso], em 1994 com o Plano Real, e hoje, nenhum candidato de nenhum partido com chances de vencer a presidência poderia se eleger contestando as bandeiras da estabilidade, da moeda, do combate à inflação. São coisas que já foram institucionalizadas. Dificilmente conseguiríamos ter um revés nesse tipo de atitude porque a força das instituições é maior do que a do voluntarismo. Mesmo que alguém discorde, ninguém vai lutar contra porque isso seria prejudicial. Da mesma forma como fizemos isso na economia, precisamos fazer na educação, na saúde, meio ambiente; existem outros temas importantes da política que necessitam ser institucionalizados. Precisamos deixar de lado o debate ideológico, visões personalistas, o voluntarismo, para partir para uma visão mais madura de como institucionalizar essas questões.
O que se deve fazer para transpor para outras área o que aconteceu na política econômica?
O roteiro já foi traçado. Temos de seguir a linha traçada pela política econômica: ter uma plano claro de quais são os objetivos a ser atingidos. No caso do Plano Real, havia uma visão clara: combater a inflação e ter uma moeda estável. Depois disso, é preciso montar um grupo que teha uma mistura de técnicos e políticos capazes de conduzir esse processo em todas as esferas, desde a implementação de medidas técnicas até a condução de negociações políticas. Terceiro, é necessário ter no comando da nação, do Estado ou do município, políticos capazes de contornar, correr riscos e enfrentar as negociações importantes que precisam ser feitas quando se trata de mudanças transformadoras - que exigem rever crenças, paradigmas, hábitos e valores. Foi o que aconteceu, nós tivemos de nos livrar de uma série de hábitos ligados a uma cultura inflacionária para começar aceitar e confiar em uma moeda estável. Finalmente, é preciso ter instrumentos que ajudem a mobilizar a opinião pública e a máquina do governo para trabalhar em prol desse projeto. O político é sempre um ocupante temporário dessa posição, enquanto que a máquina do governo é permanente. Ela não tem nenhuma pressa em implementar planos que se considere urgentes. Á máquina precisa trabalhar a favor desse plano e a opinião pública tem que ser mobilizada para respaldar as medidas.
E de que maneira você imagina que essas discussões vão acontecer dentro do Festival, que traz diferentes perspectivas sobre a política?
A primeira virtude do Festival é conseguir revelar a pluralidade de visões e a diversidade de crenças. Esse é o primeiro ponto para começar uma discussão saudável e construtiva. É difícil construir uma visão comum se você não consegue entender como outro pensa.
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Pamela Salazar Mora
twitter/pammmmm
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